
Imagino então que, dessa vez, a risada da minha doce e pequena afilhada Alice tenha desencadeado tudo. Aliás, com certeza foi. Era aquele riso tranquilo, inocente, e que poderia demorar horas. Aquele riso que eu mesma costumava a ter quando era criança e saía por aí a passear com você de mãos dadas pelas ruas do bairro. Aquele mesmo riso de encantamento ao descobrir um cachorro ou um pássaro no céu. Aquele riso inocente.
Foi no meio desse riso que eu tive a nítida impressão de te ver entrar em casa e se dirigir pra cozinha preparar o café, como fazia sempre de segunda à sexta, às três e meia da tarde. E eu realmente pude ouvir os barulhos de gavetas, xícaras e talheres. Se demorasse mais um pouco, era capaz de escutar o rádio sintonizado naquela estação AM que tanto tocava quando ainda estava por aqui. Tive que respirar fundo e voltar a me concentrar, lembrar de que tudo isso se fora há mais de dois anos e que nada do que acontecesse mudaria o fato e que a única pessoa que estava ali comigo tinha dois anos de idade.
As sensações não pararam por aí. Coisas a mais aconteceram, minutos depois. Ou antes. Agora fica difícil distinguir. Levei a Alice pra sacada – no meu colo, em segurança, claro - e quase pude te ver, encostado na parede, apreciando o movimento, como sempre fazia aos domingos ou sábado à tarde quando não ficava na Farmácia do Zé, conversando. Transcendi ao acreditar que poderia, naquele momento, estar ao seu lado, olhando aquele horizonte bonito que temos da sacada do apartamento, como fiz durante quase a minha vida toda...

Muito amor e muita saudade. Sempre.